Sociedade civil não deve intervir no Conselho de Educação, diz membro do CNE
Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Edson de Oliveira Nunes critica a forma de composição do órgão. Ele lamenta que a presidência da República não exerça sua prerrogativa de nomear até 50% dos membros e que as indicações sejam feitas por organizações da sociedade civil.
“Muitas entidades acabam entendendo o Conselho como seu representante. Isso é muito ruim para a educação brasileira”, avalia. Em entrevista ao Observatório da Educação, Nunes defende a regulamentação das funções do órgão por meio de decreto presidencial. Para ele, é preciso que o CNE deixe de ser apenas assessor para atuar como um órgão de Estado e contribuir para a qualidade da educação brasileira.
Edson Nunes é advogado e cientista político carioca. Atualmente é professor titular da Universidade Cândido Mendes onde ocupa a Pró Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento, funcionário do Instituto Brasileiro de Administração Municipal, Diretor Geral da Databrasil Ensino e Pesquisa, Conselheiro da Revista Inteligência e Comitê Científico da Revista Brasileira de Pós Graduação.
Como o senhor avalia a contribuição do CNE para a construção da educação pública e de qualidade?
A contribuição hoje talvez ainda seja limitada, porque ao longo desses 11 anos de funcionamento o MEC talvez ainda não tenha se disposto a ajudar a constituir exatamente o papel de um órgão de Estado. O MEC, talvez, tenha preferido ver o Conselho muito mais como um órgão assessor. Nesse sentido, a sua contribuição tem sido muito importante como órgão assessor, e muito limitada como órgão no sentido da sua pergunta. Ele precisaria, agora, se encaminhar na direção de poder responder mais adequadamente a isso. Poder dar uma contribuição mais efetiva à qualidade da educação, a qualidade das políticas educacionais e das doutrinas educacionais.
E que tipo de mudanças seriam necessárias para isso?
Fundamentalmente, é necessário o entendimento por parte do Ministério da Educação, de que o Conselho não é um órgão de assessoria. Ele precisa, então, de uma proteção estatutária, um estatuto, que significa regulamentação da LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação]. Ou seja, para que o Conselho funcione adequadamente naquilo que a LDB quis fazer dele, acho que precisa de um decreto presidencial de regulamentação dessas funções.
Como o senhor avalia a forma de composição e as nomeações do Conselho?
A forma de composição do Conselho é muito inteligente, a partir da Letra da lei 9.131, que cria o Conselho. Acho que a forma de composição, no entanto, vem sendo mal-interpretada pela sociedade. O Conselho, de fato, não deveria ser visto como um órgão de representação de interesses. Mas ele vem sendo visto dessa forma. A lei diz que os conselheiros são nomeados pelo presidente da República. E diz que o presidente da República receberá indicações e recomendações de entidades educacionais. Mas as recomendações seriam para que o presidente pudesse escolher um Conselho da mais alta qualidade.
Tanto assim, que a lei permite que o presidente nomeie até 50% do Conselho a partir de decisões da própria Presidência da República. No entanto, acho que ao longo desses 11 anos se perdeu aquele espírito da lei. O Conselho, hoje, vem sendo visto como um órgão que representa interesses de sindicatos, corporações, movimentos sociais, interesses de instituições privadas e públicas, de maneira que diminui muito a sua relevância como órgão de Estado. Mas talvez o Brasil seja assim. É uma pena que a forma da lei não tenha sido nunca exercida por completo. Os presidentes da República ao longo da história do Conselho não fizeram muito uso da prerrogativa de escolher 50% do Conselho por iniciativa da presidência. E resolveram normalmente nomear os conselheiros a partir de indicações de entidades. E muitas entidades acabam entendendo o Conselho como seu representante. Isso é muito ruim para a educação brasileira.
O Conselho é um espaço em que a sociedade civil possa intervir, existem possibilidades de participação?
A sociedade civil se apresenta através das indicações que faz ao presidente. A lei acabou sendo alterada aos poucos, porque a idéia original era a seguinte: cientistas, dirigentes educacionais, secretarias de educação, fariam indicações à consideração do presidente da República. Devagar, isso passou a ser: sindicatos, confederações nacionais. Então aquele aspecto da sociedade civil que teria a ver com a missão da CNE faria indicações ao presidente. Mas acho que houve um desentendimento disso. Hoje quem indica ao CNE é um espectro muito amplo de interesses organizados, corporativos e sindicalizados.
Se a pergunta é se a sociedade civil deveria intervir no Conselho, a reposta é não. A sociedade civil se apresenta na sociedade brasileira através de seus representantes formais que é o Congresso Nacional. O CNE é um órgão do Estado de orientação técnica e específica, e também estratégica. Mas infelizmente o Brasil está se transformando numa República meio orientada para os movimentos sociais organizados, sindicatos, corporações de interesses particulares e privados.
E como se deu a sua indicação ao CNE?
A minha indicação não se deu. Eu vim ao Conselho em 2002 num desses momentos de exceção. Eu e mais dois conselheiros fomos escolhidos autonomamente pela presidência da República. Na indicação em 2002, não fomos indicação de nenhuma entidade. A minha volta ao Conselho em 2006 contou com o apoio de várias entidades. Mas a minha ida inicial ao Conselho foi uma escolha independente.
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