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“A Constituição não diz que só se é índio dentro da reserva”, afirma pedagoga do povo Pankararu

Enviado por on 29 de abril de 2009 – 22:02nenhum comentário

Para que a pauta não se restrinja ao mês de abril nem volte à invisibilidade, damos continuidade com a publicação do artigo Formação do professor indígena pesquisador (leia aqui), escrito por Judite Gonçalves de Albuquerque, da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), e de entrevista com Maria das Dores da Conceição Pereira do Prado, a Dora Pankararu, pedagoga, indígena do povo Pankararu, que vive na Favela do Real Parque, na zona sul de São Paulo.

Os Pankararu estão na região desde a década de 1950, vindos de Pernambuco, estado onde está localizada a aldeia (leia aqui reportagem da Revista Fórum sobre o povo). Nesta entrevista, Dora fala sobre a relação da comunidade com a Escola Municipal de Ensino Fundamental José de Alcântara Machado, localizada no Real Parque.

OE – Como avalia a relação dos Pankararu com a escola municipal do bairro, a Escola Municipal de Ensino Fundamental José de Alcântara Machado?

A gente sempre estudou nessa escola, eu mesmo estudei nela até a 8ª série. Não havia esse entendimento do que é ser indígena. A escola só veio a ter noção mais clara do processo indígena depois que me formei na faculdade e fui pedir estágio. Mas trabalhar a temática não é ainda uma situação muito clara para eles. No ano passado trabalhamos a lei 11.645 para ver o que tinham como entendimento de ser indígena. Percebemos que há ainda muito preconceito por parte de alguns professores, e também em relação à questão afro. Existe um bloqueio muito grande dessas questões históricas que o País está tentando rever.

Foi pouco verificada a possibilidade de aceitação de trabalhar a temática. Vêem muito a questão do estereótipo, mas não a histórica, os porquês dos problemas, dos rótulos diferenciados, acham ainda que o indígena é aquele do livro. Mas a escola já teve uma direção que abriu a escola para os Pankararu fazerem eventos culturais, reuniões e sempre foi flexível com a questão indígena. Até mesmo durante uma semana dedicada à temática indígena e afro-brasileira, que organizamos na escola em novembro de 2008, foi bem interessante. Pudemos trabalhar diferentes oficinas sobre a lei – oficinas de histórias e mitos, cantos com as crianças e artesanato.

Também preparamos um livreto, com perguntas e respostas, para as pessoas entenderem um pouco mais o que significa ser indígena, inclusive na cidade. Uma das perguntas priorizadas foi como os indígenas vivem na cidade de São Paulo e estão se organizando. As pessoas na cidade pensam que o índio é aquele coitadinho, peladinho e morrendo de frio, que se saírem da área não vão ser indígenas. Dentro da Constituição não diz isso, que só se é índio dentro da reserva. Na educação também não foi dito que tem que ter escola diferenciada somente para as áreas indígenas, mas diz para povos indígenas.

Fizemos também a pergunta sobre qual é a relação entre indígena e educação na cidade. Não existe uma relação. As escolas, em abril, por acharem que índio é tema só no mês de abril – por isso sou contra essa proposta do 19 de abril – não usam a temática dentro da realidade que possuem. Continuam insistindo em fazer pena de papel, pôr música da Xuxa, mas não trabalham a realidade ao redor das escolas, não chamam um povo para discussão de história e contos, trabalhar culinária ou fazer cerimônia. Infelizmente, a escola do bairro não tem vínculo conforme a realidade propõe. E nos propomos a ir até lá.

OE – Há trabalho contínuo com a temática ou é apenas pontual, como a semana realizada em novembro de 2008?

Não tem. A lei 11.645 não diz que os professores terão atualização de dados com histórias indígenas. A afrobrasileira consegue material didático de forma mais prática. O povo brasileiro indígena tem grande complexidade – são vários povos, com diferenciações em cerimônias, por exemplo. Não há elaboração prática de material didático. O que as pessoas poderiam fazer é especificar dados, por região. Pelo menos mostrar onde os povos vivem e como. Mas não vão perder tempo com isso.

OE – A escola possui material para trabalhar a questão indígena?

A biblioteca não tem material didático. Tenho comigo alguns livros, por exemplo, que falam sobre índios do nordeste, cartilhas, álbuns de fotos e materiais de escritores indígenas. Mas a escola não tem material. Estamos agora editando um documentário que trata da semana de educação e vamos enviar para a escola.

OE – E nas aulas de história, por exemplo, como a questão indígena é trabalhada?

São muitos dos nossos que estudam lá na Emef, mas não lembro de terem falado que ouviram algo da questão dos índios. Acredito que essa semana foi o único momento que existiu.

OE – Depois da entrada em vigor da lei 11.645, houve alguma mudança?

Aqui na região não vi nada. Mas terão de atualizar dados e informações, trabalhar formação de professores.

OE – A comunidade vivencia problemas relacionados a preconceito?

As pessoas vêem muito essa questão da mistura, jeito de cabelo, cores, traços e a perda do idioma, por exemplo. Mas acho que essa questão do preconceito pára dentro da escola. Se a escola não trabalha o preconceito, nossa situação histórica, social, quem vai trabalhar?

OE – Quais são as principais lutas do povo aqui em São Paulo?

Em São Paulo tem muito território a céu aberto. E o governo do Estado sabe que a gente mora aqui. Acredito que não é louco. O Conselho Estadual dos Povos Indígenas tem a representação dos Pankararu. A Prefeitura também sabe que vivemos na favela. Então, queríamos uma área física para a comunidade poder se manter, com espaço para plantio. Que a comunidade pudesse sobreviver dela mesma, onde pudéssemos ter local de recepção para a comunidade trabalhar suas cerimônias religiosas e festividades. E que tivesse local para educação e saúde. Não são coisas difíceis de serem executadas, mas sim difíceis de as pessoas entenderem que é uma necessidade. A gente está na cidade porque precisa sobreviver. A situação na aldeia é difícil, a saúde é abandonada. Nossa luta é por terra própria.

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