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O parecer do CNE é bastante interessante, por finalmente se entender o sentido de educação especial, diz pesquisador

Enviado por on 19 de agosto de 2009 – 22:54nenhum comentário

Em entrevista ao Observatório da educação, Marcos Mazzotta, membro-fundador do Laboratório de Estudos sobre Deficiências, do Instituto de Psicologia da USP, professor aposentado da FEUSP e professor Universidade Presbiteriana Mackenzie, trata do parecer nº 13 do Conselho Nacional da Educação (CNE).

O documento regulamenta as diretrizes operacionais para o atendimento educacional especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial (leia aqui sobre o tema), e não foi homologado pelo Ministério da Educação (MEC). Ele é avaliado positivamente por Mazzotta. “É bastante atualizado em termos do que se entende por educação especial”.

Leia a entrevista completa:

Observatório da Educação – Como avalia o Parecer nº 13, do Conselho Nacional de Educação?

Mazzotta- De modo geral, considerei o parecer bastante interessante, atualizado, em termos do que se entende por educação especial. Em relação ao estado de São Paulo, alguns desses tópicos, hoje contemplados no parecer em nível federal, já estavam contemplados. Então, não foi propriamente uma inovação. No plano nacional, traz importante avanço por passar o MEC a finalmente entender, através do CNE, o sentido de educação especial, que nada mais deveria ser que atendimento educacional especializado (AEE), nos próprios termos do que foi contemplado pelo decreto 6.571/2008, dispondo sobre o atendimento educacional especializado. O parecer operacionaliza os termos desse decreto, embora em outros pontos detalhe diretrizes atendendo a própria Lei de Diretrizes e Bases.

Com relação à duplicidade de destinação de recursos para os alunos matriculados no ensino regular, escola comum, e que tenham também AEE, entendo que, administrativamente, é uma alternativa para a concretização do apoio necessário para grande parte dos alunos. É uma alternativa viável, embora do ponto de vista de políticas públicas interpretaria como, de certa maneira, podendo trazer certo equívoco na interpretação da tão propalada educação inclusiva. Não sei até que ponto essa contabilização dupla de matrícula pode ser interpretada como destoante da proposta de educação inclusiva.

OE – Nesse sentido, a educação especializada como complementar é o ideal, como atendimento educacional especializado?

Mazzotta– Entendo que aquela proposição do “preferencialmente” a rede regular de ensino é muitíssimo importante, para ser considerada no sentido próprio da palavra preferencialmente. Não está dito, na nossa legislação, que o atendimento educacional especializado deve se dar exclusivamente na escola comum. Por outro lado, o sentido de matrícula de todo aluno, inclusive dos alunos com necessidades educacionais especiais na escola comum, defendo arduamente.

Acredito que este foi um dos importantes avanços, embora já esteja na nossa legislação, inclusive na lei 7.853/1989, aprovada logo após a Constituição, que já colocava a obrigatoriedade de matrícula nos estabelecimentos de ensino oficiais ou particulares por alunos, mesmo com deficiência. Na lei está dito que há possibilidade de imposição de pena de detenção de um a quatro anos para autoridades escolares que recusarem matrícula de alunos sob pretexto da existência de uma deficiência. Agora, isso ficou clarificado no decreto presidencial e no parecer que procura traçar as diretrizes.

OE – Como políticas públicas podem dar conta da diversidade de necessidades educacionais especializadas?

Mazzotta– Não há como, aprioristicamente, definir qual é o melhor recurso educacional para um aluno que apresente necessidades educacionais especiais. Defendo, ao longo desses mais de 40 anos de educador, que a prioridade é a escola comum, sem dúvida alguma. Mas há alguns casos que demandam atendimento especializado com intensidade bem diferente daquela proposta inclusive no próprio parecer, com a indicação de que o AEE tem, necessariamente, que acontecer no contra-turno.

Acho importante que aconteça no contra-turno, mas acho também importante que cada situação seja examinada na sua globalidade para se tomar a decisão, porque há alguns casos de alunos com necessidades educacionais especiais que, em razão das próprias deficiências, acabam tendo inviabiliza a permanência em período integral. Para muitos casos, isso vai ser inviável na realidade. Então, em termos de políticas públicas, como princípio norteador, defendo o mesmo que o decreto presidencial e o parecer defendem: é a escola comum como colocação escolar prioritária.

Na definição das políticas públicas educacionais, outro ponto fundamental é não se confundir as responsabilidades da escola, inclusive a pública, com as responsabilidades do Estado. O Estado é responsável pela prestação de todos os serviços organizados na sociedade para atender a todos.

OE – Então, o que cabe à comunidade escolar e o que cabe ao Estado?

Mazzotta– No parecer, está proposto como profissionais da educação aqueles que têm condições de cuidar da parte de higiene e de alimentação, por exemplo. Esses elementos não são propriamente educacionais, nem comuns nem especiais, mas são importantes e deveriam ser providos não diretamente pela comunidade escolar, ou pela política educacional, mas por outras instituições e serviços públicos, através de políticas sociais que devem funcionar intimamente ligadas umas às outras: educação, saúde, serviço social, assistência social, etc.

Ou seja, esses vários campos de atuação do Estado, através de suas políticas sociais públicas, deveriam atuar com parceria. No parecer, a presença desses profissionais é como de educação. Há a necessidade desse tipo de suporte, atividades de alimentação higiene e locomoção poderão ser requeridas por alunos da escola, mas não necessariamente deveriam ser providos e mantidos pela escola. É preciso que existam parcerias das várias instâncias das políticas sociais públicas, deveria se trabalhar na consolidação dessas parcerias, acionar as instituições governamentais públicas.

Mas, o que está posto como parceria é para as instituições especializadas, centros de AEE mantidos por instituições especializadas particulares, ainda que de caráter confessional ou filantrópico. Não está no parecer a parceria de público para público. Ele dá a indicação, que por certo vai se consolidar mais uma vez, da atuação das instituições especializadas particulares, agora com essa prestação de serviços ditos complementares.

OE – Para além das questões do parecer, quais são os obstáculos e desafios que se colocam para a inclusão educacional das pessoas com deficiência?

Mazzotta– Um dos problemas é o uso de eufemismos para as mesmas situações. São “alunos deficientes”, “com deficiência”, “com necessidades especiais” etc. Há uma confusão muito grande nessa terminologia utilizada e que tem um efeito muito sério na linguagem política educacional, porque é através das palavras que estão postas nos textos legais e normativos de nossas políticas que as coisas vão acontecer na realidade. Se a linguagem não estiver clara, objetiva e precisa acaba-se tendo muitos equívocos, distorções.

Além disso, temos ainda ranço muito forte de visão assistencialista, especialmente às pessoas com deficiência. Mas ressalto aqui que muitos são os alunos com deficiência que não têm necessidades educacionais especiais. A situação de deficiência não é sinônimo de necessidade educacional especial. Mas há certa confusão na letra da legislação e normas de modo que acaba permanecendo essa visão assistencialista, com a qual temos procurado lutar bastante para superar. Mas isso não é um problema do parecer.

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