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Equilibrar interesses de autores, empresários e consumidores é o objetivo da nova lei de direitos autorais

Enviado por on 11 de novembro de 2009 – 19:22nenhum comentário

Estimulado por demandas da sociedade civil, o Ministério da Cultura iniciou, em 2007, um processo de revisão da lei de direitos autorais. José Vaz de Souza, coordenador substituto da coordenação de direito autoral do Ministério da Cultura, relata nesta entrevista (publicada em setembro no boletim Desafios da Conjuntura 27) alguns dos principais, e polêmicos, aspectos deste debate.

Observatório da Educação – Qual o contexto do processo de revisão da lei de direitos autorais?

José Vaz de Souza – O processo foi iniciado a partir de uma série de queixas e críticas que recebemos, particularmente na primeira Conferência Nacional de Cultura, realizada em dezembro de 2005. A partir disso, realizamos um diagnóstico da situação de direito autoral no Brasil. O resumo dele está numa cartilha, disponível na página do MinC. Em dezembro de 2007, lançamos o Fórum Nacional de Direito Autoral, um conjunto de eventos e seminários. Ao final do último seminário, realizado em novembro de 2008, ficamos seguros quanto à necessidade de revisão da legislação, porque está inadequada. Mas não é um problema só do Brasil. Vários países estão modificando suas leis, como França, Espanha, Portugal, Índia e áfrica do Sul, dentre outros.

Estamos trabalhando no primeiro anteprojeto e o fórum continua neste ano com seminários para discutir propostas concretas. Nossa proposta é trazer na lei um tratamento equilibrado, para todos os interesses que ela contempla: do autor, das empresas que investem na difusão de obras e da sociedade, que deseja condições justas de acesso. A lei é muito pensada ainda no mundo analógico, não está plenamente preparada para o mundo digital. E os intermediários entre autor e sociedade estão em situação mais cômoda.

OE – Qual é o impacto da atual lei sobre os materiais utilizados em processos educativos, como livros e vídeos, e de que forma os debates feitos até agora deram conta desse tema?

José Vaz – Esse é um dos temas críticos da lei. O direito de autor é constitucionalmente exclusivo. Isso significa que qualquer uso de material autoral só pode ser feito com autorização. No entanto, na legislação de todo o mundo, existe uma previsão de que esse direito está sujeito a algumas limitações. O acesso à educação, cultura, informação e ao conhecimento, têm uma interface em muitos momentos com a questão autoral.

Se o direito de autor é um direito fundamental, os direitos à educação, à informação e ao conhecimento também o são. E toda lei tem um capítulo chamado de limitação e exceções. O da nossa atual é muito tímido. Nossa lei veda, por exemplo, uma cota integral, a cota privada – aquela para uso pessoal. Hoje, quando qualquer pessoa compra um CD, legalmente, e quer passar para seu MP3 Player, está cometendo um ato ilícito.

Se há um livro esgotado, e o aluno na universidade resolve tirar uma cópia, está cometendo um ato ilícito. Os editores de livros travaram grande luta para impedir o xérox, mas na defesa de interesses legítimos, acabaram impedindo o exercício de outros direitos. É justo que o estudante possa fazer uma cópia de uma obra esgotada. Isso é diferente de uma empresa fazer 500 cópias de um livro e vender.

OE – Já há alguma proposta em relação a isso?

José Vaz – O setor livreiro tem grande resistência a aceitar a liberação da cópia privada. Estamos conversando para mostrar que isso não o coloca em risco. É preciso separar a atividade criminosa – reproduzir um livro e vendê-lo por um custo menor – daquela atividade perfeitamente legítima, sem intuito de lucro e sem que cause prejuízo significativo para o editor.

O grande problema da lei é que ela não consegue trabalhar de forma equilibrada todas essas questões. Temos o interesse do autor, das empresas e do cidadão. O que significa proteger a criação e garantir o acesso da população à criação. Não tratar isso de forma equilibrada é a falha da nossa lei. Ela funciona, tem suas disposições, garante proteção, mas, da forma como é hoje, desequilibrada, gera conflitos, muitos, em diversos campos. O objetivo é reduzir esses conflitos.

OE – Existe uma posição do MinC em relação à utilização desses materiais?

José Vaz – Não, estamos debatendo alternativas. Algumas nem são muito populares. O mundo debate muito hoje, tem implantado, em boa parte dos países europeus, o gravame pela cópia privada. Trata-se de uma pequena taxa cobrada em cima de suportes e equipamentos de reprodução. Ou seja, todo aparelho ou suporte que pode receber obra tem uma pequena sobretaxa que não impacta significativamente no preço de venda, mas que, pela escala que é feita, gera grande receita revertida para autores e titulares das obras. Por exemplo, quando se compra Mp3 Player ou gravador de CD, paga-se cerca de 3 euros a mais, que é revertido para os titulares do direito de autor. Isso é uma tendência mundial.
Mas é uma grande polêmica porque esses equipamentos não são em sua totalidade utilizados para copiar obra protegida, e esse é o grande nó da discussão. Mas também é sabido que grande parte dessa indústria cresce e aumenta suas vendas em função dessa possibilidade de reprodução, esteja ou não autorizada ou legalizada.

Estamos discutindo essa medida, mas, tanto alguns segmentos da sociedade acham injusto que o consumidor pague por isso, como alguns segmentos da indústria acham que isso não atende a seus interesses plenamente.

OE – Existe conversa entre MinC e MEC em relação aos livros didáticos?

José Vaz – Esse ponto não cabe a nós, isso é de competência exclusiva do MEC. Temos dialogado com relação às universidades sobre um problema concreto com relação à reprografia e temos outras questões, como a difusão dos direitos de autor. O MEC tem um belo portal, chamado Domínio Público, que faz trabalho de divulgação de obras que não estão mais protegidas por direito de autor, que podem ser copiadas e utilizadas livremente.

OE – Há demandas específicas ao MinC em relação a livros didáticos?

José Vaz – Existem demandas dos autores de livro didático, pois muitas vezes sua autoria não é reconhecida. O livro didático normalmente é feito num processo em que se encomenda aos autores a produção e, quando o livro é editado, muitas vezes o nome do autor não aparece, ou os contratos que assinam não são em termos muito favoráveis a eles.

Isso é outro ponto: a relação contratual do autor com as empresas é outra questão debatida neste processo. É um problema sério: a lei é de direito de autor, e ele fica em uma situação desprotegida. Então, alguns mecanismos como revisão contratual, que hoje a lei não assinala, estão sendo discutidos…

OE – Existe alguma estratégia para envolver profissionais da educação e autores de livros didáticos nesse debate?

José Vaz – O fórum tem recebido essas participações. Mas é importante que os autores se manifestem através de suas entidades também. No caso do livro didático tivemos conversa com a Abrale (Associação Brasileira de Livros Educativos).

É um debate aberto, mas muitas vezes as entidades não se mobilizam para isso. Mesmo fora do fórum, caso as entida¬des se dirijam diretamente a nós, convocamos uma reunião. O diálogo está permanentemente aberto.

OE – Houve contato de entidades que representam o professorado?

José Vaz - Até o momento não, exceto alguns grupos que pensam a questão do direito autoral, como o caso do grupo Gpopai-USP, mas entidades sindicais não se manifestaram.

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