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PDE foi mais uma marca fantasia do que articulador de políticas, diz pesquisador

Enviado por on 10 de junho de 2010 – 18:58nenhum comentário

O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado há três anos pelo governo federal, não foi responsável pelo aumento dos recursos da educação nos últimos anos, de acordo com o professor José Marcelino Rezende Pinto, pesquisador da área de financiamento da educação da Universidade de São Paulo (USP-Ribeirão Preto).

Em entrevista ao Observatório, José Marcelino explica que da forma como se deu a ampliação de recursos – repassados a estados e municípios por transferência voluntária – há o risco de descontinuidade. “Se o governo tivesse colocado esse dinheiro das transferências voluntárias como complemento da União no Fundeb, dificilmente qualquer governo que entrasse depois conseguiria abaixar. Isso por causa do desgaste político – seja a Dilma ou o Serra”, avalia.

Leia a seguir a entrevista:

Observatório da Educação – Passados três anos do PDE, é possível identificar ampliação dos recursos para a educação?

Prof. José Marcelino Rezende Pinto - Houve, inegavelmente, um aumento dos gastos do governo federal com relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Mas não dá para atribuir isso ao PDE. O PDE pode ter sido o instrumento que o ministro usou para negociar, no âmbito da Fazenda, mas a ampliação em si não se deve a ele. Veja os dados: até 2005, se observa que os gastos [federais] em relação ao PIB com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) ficam praticamente no mesmo patamar, até um pouco menor, do que na era Fernando Henrique – cerca de 0,7% do PIB. Em 2006 há uma mudança de patamar: os gastos vão para 0,84%. O percentual é mantido em 2007 e 2008. Em 2009, chega próximo a 1% do PIB. O PDE entra nas transferências voluntárias, como “outras despesas”. Não há uma explicitação clara, diferente do que acontece nas funções Ensino Fundamental, Ensino Médio etc.

O que se observa no governo Lula é que, no final de 2006, há uma ampliação de gastos com educação profissional e educação superior, que acho que é o aspecto mais relevante das políticas do MEC. Se observa claramente uma expansão. Por outro lado, há uma expansão grande do que aparece como “outras despesas”. Só para se ter uma ideia, em 2008, essas despesas representavam 4 bi; em 2009 pulam para 7 bi e em 2010 vão para quase 13 bi na proposta orçamentária. Isso dentro de MDE.

O grande problema que vejo nisso é que, como essas políticas não estão amarradas a numa execução orçamentária contínua, corre-se o risco de falta de continuidade. Houve uma expansão, essa expansão se traduz em dados da rede física – a rede federal cresceu no ensino superior, na educação profissional –, mas o PDE na verdade aparece hoje muito mais como uma marca de fantasia do que propriamente um articulador de políticas.


Observatório – O que o Plano de Ações Articuladas (PAR) representou no PDE?

Prof. José Marcelino – Quando se fala em PDE, lê-se PAR, que é a questão do repasse de recursos. O problema é a descontinuidade, porque o PAR entra como transferência voluntária. Então se muda a política, ela pode mudar também. Se o governo tivesse colocado esse dinheiro das transferências voluntárias como complemento da União no Fundeb, dificilmente qualquer governo que entrasse depois conseguiria abaixar. Isso por causa do desgaste político – seja a Dilma ou o Serra. Eles não teriam coragem de reduzir a complementação do governo federal no Fundeb. Mas a transferência voluntária é muito fácil de estancar. Do ponto de vista do financiamento, ao meu ver, este é o grande problema.

Outro problema, do ponto de vista operacional, é que o governo federal não tem estrutura para fiscalizar 5 mil e tantos planos. É uma pretensão muito grande querer dirigir o planejamento dos municípios e dos governos através dos planos, que na verdade não repassam tantos recursos assim.

Quando o PAR surgiu, era para os municípios de menor Ideb. Com o tempo, como fez sucesso na mídia, virou uma espécie de ovo de Colombo, e todo mundo entrou. Isso gerou inclusive contradições, porque os municípios tinham que provar que estavam ruins para conseguir o dinheiro. E proporcionalmente não eram proporcionalmente recursos de grande impacto na política educacional, exceto para os municípios mais pobres.


Observatório – O PAR contribui para viabilizar mais recursos para os municípios e a transparência em sua gestão?

Prof. José Marcelino - Em termos de valores econômicos, o PAR não é muito diferente das antigas políticas de transferência voluntária. A única diferença é que, nas antigas, o viés político-partidário era muito mais forte. No PAR, na verdade, praticamente todo mundo está recebendo. Mas tem um estudo feito pela Rosana Evangelista, especialista em transferências federais, que mostra que, considerando as transferências do FNDE como um todo, ainda há um viés partidário.

Teria sido muito mais positivo se o governo aumentasse a complementação do Fundeb e fortalecesse seus mecanismos de controle. E tem a vantagem de que ele é permanente – quer dizer, vai até 2020, mas é constitucional, tem uma estrutura legal. Enquanto a transferência voluntária, do mesmo jeito de vai, pode acabar.

Hoje temos um grande sistema que articula os três entes federados. O problema do Fundeb é que o complemento da União ainda não garante a eliminação das grandes disparidades que nós temos. Por isso que a Conae aprovou a inclusão de 1% do PIB imediatamente pelo governo federal no Fundeb. Tem-se que avançar também no custo-qualidade, e o CNE acabou de aprovar um parecer relativo ao tema.


Observatório – É necessária alguma mudança legal para ampliar esses recursos? Por exemplo, no Plano Nacional de Educação (PNE)?

Prof. José Marcelino – O governo federal tem toda autonomia para colocar dinheiro no Fundeb, não precisa esperar o PNE. Porque isso também depende da proposta orçamentária. Os valores previstos no Fundeb são ‘no mínimo’. Essa foi, inclusive, uma grande briga da sociedade civil, para que a União coloque o mínimo de 10% dos recursos dos estados e municípios. Mas isso ainda é pouco. A União arrecada 60% de tudo o que se arrecada no país, então por que no Fundeb é só 10%? Essa ampliação pode ser feita sem nenhum problema, de forma voluntária.

Mas a preocupação de transformar isso princípio legal no PNE, e até em princípio constitucional, é exatamente para não ficar na dependência da vontade do executivo.
O PAR é muito ruim. Não precisamos de mais transferência voluntária, porque já temos o mecanismo de transferência constitucional que é o Fundeb. Teria sido melhor se o MEC tivesse usado o mesmo esforço que usou para operacionalizar o PAR no sentido de melhorar os mecanismos de fiscalização do Fundeb, avançar da questão do custo-qualidade dentro do Fundeb. Porque já está tudo lá, na legislação.

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