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Experiência

Enviado por on 16 de agosto de 2010 – 20:40nenhum comentário

Crônica de Daniele Jácome, arte–educadora e atriz formada pela Universidade de São Paulo, estudante de Pedagogia da Unesp-Univesp, e professora de artes da rede estadual de ensino de São Paulo.

Experiência

Meia hora antes as crianças já esperam no portão, acompanhadas dos pais ou não. Ao ultrapassarem a primeira barreira de ferro estão dentro do pátio que gela quando está frio, e cozinha quando está quente. Correm pelo pátio coberto de piso de cerâmica, gritam, esbarram – se com violência até o toque do sinal, este se propõe a ser mais alto e ensurdecedor do que os berros de 600 crianças juntas. Uma escola pequena, que atende ao ciclo I, 16 salas, construída a partir de barracões forjados na luta de uma educadora, em décadas passadas. Tal educadora merece um artigo, mas por enquanto guardarei seu nome.  Muitas escadas, nenhuma rampa, grades, muros, espaço frio, sem graça, sem parque ou área de convivência para alunos, sem área verde, sem árvores, só concreto reto, alto, sem estrutura que atenda o corpo em desenvolvimento, o corpo frágil, veloz e inquieto que quer subir, pular, descer e rolar.

Lembro-me de uma tarde de verão, em 2009, todas as crianças de um 2º ano se refrescando numa tempestade fresca, forte, com muito sol, no canteiro em frente à sala. Pude ver a felicidade simples com que se aliviavam do pesado calor que os fizera sofrer uma tarde inteira, e, coitados, só no último horário, aula de artes, puderam experimentar um prazeroso banho de chuva. Todas gritavam gostosamente sentindo a água cair no corpo quente, pulavam de felicidade, a algazarra era maior ainda quando os meninos tiraram um a um as camisetas, e as meninas riam com vergonha. Uns rolavam no canteiro, outros dançavam, estendiam os braços para os céus, num inconsciente agradecimento à natureza.

Corajoso da parte delas, que podiam levar uma bronca homérica da mãe. Corajosa eu que podia alguém se machucar ou algum inspetor da ordem flagrar e me entregar por negligência, irresponsabilidade, ou outro crime.

Eu tive um encontro com o belo, ao contemplar uma experiência da qual queria fazer parte naquele momento, e ao mesmo tempo lamentei não ter feito o mesmo na minha vida. Naquele momento tinha que cuidar pra que nenhum se machucasse seriamente. E também, como eu ia pegar ônibus de volta pra casa toda ensopada?

Nada como um encontro com a natureza para nos mostrar que se aprende com o corpo e com a alma, e se ensina a partir da experiência concreta, das ações mais simples e prazerosas.

Aprendizagem é chuva que cai, e o corpo entende quando é hora de se banhar ou contemplar.

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