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Novas diretrizes curriculares superam dicotomia entre ensino médio regular e educação profissional, diz membro do CNE

Enviado por on 25 de maio de 2011 – 16:27nenhum comentário

Em entrevista ao Observatório da Educação, o professor José Fernandes Lima, secretário estadual de Educação de Sergipe e membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), falou sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Lima foi o relator da proposta aprovada na última semana passada (4/5) pelo CNE, e avalia que o documento supera a dicotomia entre educação propedêutica e profissional no ensino médio ao estabelecer novos princípios norteadores.

Observatório da Educação – Quais são os principais pontos das diretrizes?

José Fernandes Lima – Partimos do princípio de que o advento das tecnologias de comunicação e a aceleração da produção de conhecimento pressionam a escola para que ela se reinvente, se reestruture. Esses fatos afetam particularmente o ensino médio, porque atende aos jovens, e é exatamente nessa idade que as pessoas estão pensando no futuro, tomando decisões importantes. Então, essas pessoas esperam ver na escola assuntos, temas, trabalhos que tenham a ver com seu projeto de vida. Quando olhamos nossa escola hoje, verificamos que ela precisa avançar para que alunos vejam realmente algo relacionado a seus projetos de vida, e portanto tenham mais disposição na escola, de estudar, evitando o abandono.

Nessa reinvenção da escola, a primeira coisa necessária a se fazer é dar uma identidade para o ensino médio. Esse é um dos pontos importantes: as diretrizes procuram dar identidade para o ensino médio, o que começa a se configurar quando dizemos, com base na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que o ensino médio tem que ser entendido como a etapa final da educação básica. Isto significa dizer que temos que preparar o indivíduo não só para ele fazer o vestibular, exercer profissão, mas preparar simultaneamente para o mundo do trabalho, cidadania e para a vida. Essa é a identidade que estamos dizendo: o ensino médio é direito de todos e deve preparar para a continuidade dos estudos, o mundo do trabalho e o exercício da cidadania.

 

OE – O que resulta disso em termos de estrutura curricular?

Lima – Quando falamos que é preciso preparar simultaneamente para todos esses fins, estamos indo além da dicotomia entre propedêutico e profissional: ensino médio é um. Também discutimos a ideia de que o exercício do trabalho requer grandes conhecimentos de ciência. Temos que trabalhar os ditos conhecimentos científicos, mas preparar para o mundo do trabalho não é preparar para profissões, e sim tratar de assuntos relacionados ao trabalho, utilizar o trabalho como princípio educativo.

E como a geração de conhecimento está acelerada, para que o individuo sobreviva ele precisa continuar aprendendo, para que tenha autonomia precisará aprender a aprender. Não só aprender uma profissão ou técnica, mas aprender a aprender. Como se faz? Utilizando a pesquisa como principio pedagógico. Hoje em dia a tecnologia leva à substituição de emprego e trabalho, o importante é que a escola ao invés de ensinar determinados conceitos ou técnicas, ensine sobretudo valores. Por exemplo, que coloque trabalho com direitos humanos, ensine ética, solidariedade, trabalho em grupo.

Esse conhecimento científico é muito importante, mas é também necessário que as escolas ensinem arte, em todas as suas formas. Em resumo, estamos sugerindo que o ensino médio adote as dimensões, leve em consideração as quatro dimensões integradoras do currículo: trabalho, ciência, tecnologia e cultura. Mas quando dizemos isso, não pode confundir dimensões com áreas. As dimensões são simultâneas.

 

OE – Como se dará a implementação das diretrizes e o acompanhamento pelo CNE?

Lima – Para que esse ensino médio seja implantado em todo Brasil, se configure num direito para todos os alunos, tem que ter uma identidade e flexibilidade do ponto de vista organizacional. Por isso, valorizamos fortemente o projeto político pedagógico das escolas. Estamos estimulando que as escolas, dentro da legislação em vigor, usem criatividade para que cursos se tornem mais relacionados com projetos de vida de seus alunos. Estamos definindo uma identidade para ensino médio, que tem que preparar para trabalho e cidadania, e se organizar de forma flexível.

 

OE – Mas isso implica em profunda transformação da rede. Como será o processo e o acompanhamento pelo CNE?

Lima – Nossa expectativa é que esse documento seja apropriado pelas escolas e pelos sistemas educacionais, e que essas mesmas ideias sirvam de base para que definamos as expectativas de aprendizagem do aluno de ensino médio e sirva de base para os investimentos que precisam ser feitos, inclusive materiais didáticos, e seja orientador para avaliações nacionais e para a formação dos professores. O trabalho está começando pela junção das várias ideias que estão sendo colocadas em prática.

 

OE – Como foi o processo de elaboração? Fundamentou-se em estudos e programas?

Lima – Na elaboração desse processo, que demorou mais de oito meses, fizemos discussão ampla, discutimos com as secretarias estaduais, fóruns de diretores de ensino médio, com o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), com os especialistas das universidades, fizemos audiências públicas, conversamos com técnicos do ministério da educação e com os próprios conselheiros.

 

OE – O programa Ensino Médio Inovador influenciou?

Lima – Não tenha duvida. Tem amparo legal nessas diretrizes, até porque quando fizemos o parecer para o Ensino Médio Inovador eu já era da comissão. O professor Cordão também. Essas diretrizes são mais amplas e discutem de forma mais geral. Naquele caso, era um programa específico.

 

OE – Mas vocês realizaram uma avaliação do programa?

Lima – Temos avaliação, muitas escolas em vários estados que aderiram vêm obtendo resultados, não específicos, porque não dá tempo. Não tivemos oportunidade de avaliar, mas temos resultados, principalmente no que diz respeito à mudança de posicionamento das escolas em relação ao aluno. Essa é a grande questão: a transformação dos sistemas e das escolas, no sentido de oferta de educação que se relacione com os projetos de vida das pessoas.

 

OE – Mesmo com elaborações normativas que orientam a quebra de lógicas dicotômicas entre, pro exemplo, educação propedêutica e profissional, o MEC e secretarias de educação elaboram políticas com lógica de focalização e que reforçam tal dicotomia. Um exemplo é o decreto n. 5.154/2004, que possui uma lógica integradora para a educação profissional, mas à sua promulgação se seguiram políticas fragmentadoras, como o Programa Escola de Fábrica, que é restrito à aprendizagem profissional. Como garantir que não vai acontecer o mesmo?

Lima – Essa preocupação está contemplada quando dizemos que as diretrizes devem servir de orientação para os programas de investimentos que devem ser feitos nas escolas. Quando colocamos desse jeito, queremos dizer que todos os programas devem partir dessa discussão. CNE e MEC irão acompanhar. E estamos discutindo ensino profissional e técnico, que serão objeto de diretrizes próprias. O processo está bastante adiantado.

 

OE – Conselheiros de São Paulo afirmaram, na sessão do dia 4/5 do Conselho Estadual de Educação (CEE), que as diretrizes ferem a autonomia dos estados e das escolas. O que pensa sobre isso?

Lima – Em hipótese alguma. Essas diretrizes fazem exatamente o contrário disso. As diretrizes estão dizendo que quem deve fazer a discussão, definir as coisas, são exatamente as escolas e sistemas de ensino. Não colocamos nenhuma receita nessas diretrizes. Ninguém vai encontrar nenhuma receita específica. São orientações gerais, debatem o processo educativo no ensino médio e orientam para que pessoas em suas escolas e sistemas se debrucem sobre assuntos e estabeleçam a melhor forma. Não existe em nenhuma linha, nenhuma receita nem determinação de cima pra baixo.

Iniciamos esse debate há mais de oito meses. E colocamos na internet, chamamos audiência pública, com mais de cem entidades. Essa discussão não foi feita a portas fechadas. O ensino médio precisa ter essa amplitude.

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