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Proposta de mudança curricular do ensino médio paulista para 2012 ainda não está concluída

Enviado por on 14 de outubro de 2011 – 19:28nenhum comentário

A apenas três meses do fim do ano letivo, a proposta de mudanças na Matriz Curricular do ensino médio para o ano que vem ainda não está concluída. Para aprovação da proposta, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) daria início a um amplo debate durante este mês de outubro.

Apesar de a própria SEE afirmar que o debate com o magistério é fundamental para o sucesso dessa proposta, professores avaliam que esse debate ainda não chegou às escolas de forma aprofundada. Procurada pelo Observatório, a Secretaria se limitou a informar que debates acontecerão, sem detalhar de que forma, e sem um calendário definido.

A proposta de mudança, publicada pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, propõe principalmente uma distribuição equilibrada da carga horária entre as áreas do conhecimento, e a concentração por área no 3º ano. Assim, o aluno poderia optar por um percurso com ênfase em humanas, natureza ou linguagem. Entre outras mudanças há a criação da “orientação de estudos” e o ensino de espanhol, no 2º e 3º anos.

Um professor de Português da regional Centro Oeste de São Paulo, que não quis se identificar, afirmou que na sua escola os professores não sabem o que está acontecendo. “Na minha escola já deram como discutido. Durante a HTPC, depois de uma breve explicação, os professores assinaram um questionário pronto. É um assunto complexo que deveria estar sendo discutido o ano todo. Mas dois meses antes de dar o ano para começar, as pessoas jogam pras escolas discutirem isso em uma semana. Ninguém sabe o que está acontecendo”.

Também professora da rede, Regina Oshiro concorda: “o debate varia muito de escola para escola e região. Quando tomei contato com a proposta, na escola que leciono não havia informações, uma professora soube através de uma amiga que trabalha na região sul. Na última reunião de representantes de escola da Apeoesp foi possível perceber que há escolas onde o documento sequer chegou a ser trabalhado, em outras foi disponibilizado apenas parte dele e com maior raridade o documento na íntegra. A questão é que há muitas dúvidas que não conseguem ser respondidas por quem repassou as orientações na Diretoria de Ensino”.

Segundo a professora de História, os docentes desconhecem as mudanças. “A sensação da maioria dos professores é que há uma cortina de fumaça e que as decisões já estão tomadas, é apenas um faz-de-conta que o processo é democrático, infelizmente. Não tivemos tempo hábil para levar e debater essas informações com alunos e pais, ainda. Há uma preocupação de que forma esse debate será organizado junto à comunidade escolar, a mídia já tem explorado o assunto, de forma não esclarecedora, como quase sempre”.

Ainda que nas escolas esteja acontecendo alguma movimentação – mesmo que descompassada – a proposta não passou pelo Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE-SP). Como descrito no blog “De Olho nos Conselhos”, a medida causou um mal estar, e levou o Conselho a criar um Grupo de Trabalho sobre o Ensino Médio. “Não gostaria mais de saber notícias da Secretaria pelo jornal, mereço mais respeito”, afirmou a conselheira Guiomar Namo de Melo na ocasião.

Menos aulas de Português e Matemática

O debate sobre as mudanças curriculares na imprensa focou a diminuição de aulas semanais de Português e Matemática, para o aumento do número de aulas de Física, Sociologia e Filosofia. A polêmica que se deu em torno disso pode ser explicada pela política para o Ensino Médio Estadual, que é balizada por meio de provas que focam principalmente essas duas matérias. É o que pensa uma parte da categoria dos professores, que é a favor de mais equidade entre as áreas. “Por que, afinal de contas, [as áreas] deveriam aparecer com pesos diferentes no currículo? Não tem justificativa teórica pra isso”, afirmou Eduardo Amaral, professor efetivo de Filosofia da Escola Estadual Profª Zuleika de Barros.

No boletim de outubro do “Coletivo APEOESP na escola e na luta”, do qual Eduardo faz parte, eles enfatizam a importância do equilíbrio entre as três áreas, além de apontar outras problemáticas que a proposta de mudança curricular não resolve: “as mudanças na matriz curricular ocorridas nos governos tucanos, sempre arbitrariamente, foram orientadas pelas políticas de avaliação externa que usam matemática e língua portuguesa como o indicador de qualidade educacional. Por isso essas disciplinas ganharam espaço em detrimento de aulas de filosofia, sociologia, história e geografia, vistas pelos ideólogos desse tipo de educação como menos importantes”.

A diminuição das aulas em questão não seria, assim, a questão central. Enquanto a Secretaria defende que o mais importante dessa proposta seria deixar a grade “mais interessante” ao focar na área de interesse no aluno, professores afirmam que isso causará um problema trabalhista para os docentes, em relação ao pagamento. Os professores recebem seu salário de acordo com o número de aulas que dão. Docentes de Português e Matemática são uma grande fatia do professorado, logo, essa proposta de diminuição de horas, leva muitos a uma situação de incerteza, pois não sabem se no próximo ano terão seu salário diminuído.

Luís Carlos de Menezes, professor associado do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, aponta que “as mudanças propostas na matriz curricular para o Ensino Médio, ao pretender dar mais flexibilidade, em termos de tipo de escola e etapa escolar, precisariam de novos instrumentos de gestão, por exemplo, para a oferta de materiais instrucionais e demais subsídios, assim como para o acompanhamento regular do desempenho escolar”.

Insuficiente

“Mexer na grade é tirar o problema de lugar. É necessário um debate curricular mais profundo”, opinou outro professor da rede, Josafá Rehem, que também é diretor de escola municipal. “De maneira geral, na escola que eu trabalho e no sindicato a gente considera que qualquer tentativa de mudança é importante e esse elemento justificaria alterações. Mas essa alteração não passa pelo debate da grade. Esse debate é mais profundo, que diz respeito à juventude, mundo do trabalho, saúde”.

A professora Regina Oshiro também indica que a mudança é insuficiente para mudar as condições precárias da escola: “a SEE-SP, nas negociações sobre o Plano de Carreira não tem apontado que vai implantar a Lei 11.738/08 [Lei do Piso], que estabelece a jornada de 1/3 fora da sala de aula. A secretaria tem alegado que não há número suficiente de professores formados, com exceção de professores de Fundamental I. As duas horas de HTPC são insuficientes para um trabalho interdisciplinar”. Para Regina, se essas condições não forem alteradas, as dificuldades em se realizar um trabalho mais integrado persistirão.

Maria Izabel, presidenta da Apeoesp, publicou em seu blog considerações sobre as alterações no Ensino Médio Paulista,  e nele cita a importância da participação docente no processo: “outro aspecto essencial refere-se às necessárias mudanças, que devem ocorrer no âmbito mais profundo do processo escolar – o preparo da equipe escolar, o que envolve a dimensão coletiva do trabalho pedagógico e as condições de jornada e trabalho dos professores e da equipe escolar. Sem isso, as alterações nos modos de se relacionar com o conhecimento, com o trabalho de ensinar e favorecer as aprendizagens e as vivências dos alunos e com o próprio desenvolvimento profissional da equipe fica paralisado.”

A presidenta também aponta para a ineficácia da proposta em abordar outras questões: “o ponto de partida dessa reestruturação é o diagnóstico inegável de que o EM paulista padece de inúmeros problemas quanto à qualidade e à atualidade da formação oferecida”. Para Izabel, o balanço deixa de fora problemas importantes que afetam a escola paulista: falta de autonomia para o estabelecimento do seu projeto político pedagógico; precariedade de infraestrutura; fragilidade de sua equipe pedagógica – “constituída por professores paulistas e que em grande parte não são concursados” -; imposição de um currículo engessado baseado em apostilas; precariedade das condições de trabalho e de salário dos seus profissionais, entre outros.

“Isso não vai alterar. Essa é a minha opinião. Ficar restrito a isso é insuficiente”, finaliza Rehem.

Leia também:

“A sensação da maioria dos professores é que a decisão já está tomada”, diz docente da rede sobre mudanças no ensino médio em SP”

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