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A responsabilização de escolas levaria a uma década perdida na educação, diz pesquisador sobre LRE

Enviado por on 24 de novembro de 2011 – 20:21nenhum comentário

Luiz Carlos de Freitas é professor da Faculdade de Educação da Unicamp e estuda a área de avaliação. Ele está acompanhando o processo de tramitação da chamada Lei de Responsabilidade Educacional.

Essa lei serviria para punir gestores por improbidade administrativa em casos de financiamento e acesso à educação. Mas, no processo de tramitação, ganhou novas características, que podem acabar resultando em transferência da responsabilidade a instituições escolares que não alcancem metas acadêmicas.

Leia a seguir entrevista com o professor Luiz Carlos, que critica os rumos da proposição como punição para escolas.

Observatório da Educação- Como está a tramitação da Lei de Responsabilidade Educacional?

Luiz Freitas – A lei de responsabilidade educacional está em tramitação no Congresso sob número PL-07420/2006 (Dispõe sobre a qualidade da educação básica e a responsabilidade dos gestores públicos na sua promoção). É um projeto que foi apresentado, em 2006, pela então deputada Raquel Teixeira do PSDB [de Goiás]. Como existiam várias iniciativas semelhantes no Congresso, todas as outras, inclusive o projeto do próprio MEC enviado em 2010, foram “apensadas” a este projeto da Raquel Teixeira. Neste momento, foi constituída a Comissão Especial para redação do texto final, presidida pelo deputado Newton Lima (PT-SP) e tem como relator o deputado Raul Henry (PMDB-PE). Vão ser iniciadas as audiências públicas.

Observatório – Qual o objetivo do projeto de lei?

Luiz – A intenção original do MEC era controlar a questão do uso da verba pública pelos gestores e não incluía a questão da cobrança de “metas acadêmicas” ou cumprimento de índices como o IDEB ou outro. Nesse sentido, a lei estava correta, pois visava garantir recursos bem geridos para as redes de ensino. Ocorre que ao dar entrada no Congresso e ser apensada a outras já existentes, o objetivo da lei foi ampliado para o controle de cumprimento de metas acadêmicas, objetivo já expresso no texto da deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO), em 2006. Portanto, podemos dizer que hoje, a julgar pelo texto atualmente existente, que é o da então deputada Raquel, a lei de responsabilidade educacional teve seu objetivo ampliado em função do apensamento desses projetos.

Observatorio – A cobrança de metas acadêmicas na LRE desvia, então, de sua intenção inicial?

Luiz- É muito cedo para nós concluirmos algo, pois ainda não temos um texto produzido pela Comissão Especial. Embora tenhamos o texto original do PL 7420. Mas, certamente, ele será modificado. Quanto? Não sabemos. Mas, deve-se antever que se a lei incluir metas acadêmicas, e creio que incluirá se não houve ampla reação, então os gestores irão repassar a responsabilidade também para os estabelecimentos e professores. Quem “pagará a conta” é a escola e os professores. Estes também ainda têm o recurso de repassar o “custo” para os alunos, na forma de exclusão daqueles que “derrubem a média da escola”, ou seja, dos alunos com maiores dificuldades.
Um recente estudo do CENPEC mostra como estas políticas afetam todo o território, o conjunto das escolas existentes em um dado território, e não apenas uma determinada escola, produzindo relações entre elas – inclusive atribuindo a determinadas escolas funções específicas no atendimento à população estudantil – induzindo o aparecimento de “guetos escolares”. A experiência mundial diz que estas políticas de responsabilização autoritárias, via leis que regulam índices para as escolas atingirem, não diminuíram as desigualdades acadêmicas.

Observatório – Quais seriam as consequências desta lei?

Luiz – Ninguém é contra responsabilizar a escola pela missão que tem como instituição pública financiada por todos. A questão a ser discutida é de que forma, com qual concepção de responsabilização. Uma concepção de responsabilização democrática e participativa pode ser encontrada no link: https://sites.google.com/site/movimentocontratestes/  .

Uma visão distinta pode ser vista nos Estados Unidos, na versão americana da lei de responsabilidade educacional – No Child Left Behind – que estabeleceu que em 2014 todas as escolas americanas deverão ter todos os seus alunos proficientes. Isso foi feito em 2001. Hoje, às portas de 2014, o Departamento de Educação americano entende que 80% das escolas não têm condições para cumprir esta lei. Para que ela serviu, então? Para privatizar e destruir a educação pública nos Estados Unidos.
A lei de responsabilidade educacional americana permite que, se uma escola não atinge as metas, ela pode ser fechada e privatizada como “escola charter”, ou seja, uma escola administrada por contrato de gestão feito com empresas operadoras privadas. Algo que existe no Brasil ao nível de educação infantil, já foi ensaiado no ensino médio em Pernambuco e, diz-se, que será brevemente ensaiada no Estado de São Paulo em 20 escolas.
Esta estratégia coloca a educação sob controle direto da iniciativa privada, gerida e até financiada por grandes corporações. Nos Estados Unidos, três ou quatro fundações definem a agenda do Departamento de Educação. Teremos que discutir se isso é democrático e seguro para o futuro do país e da nossa juventude.

Esta estratégia de responsabilização autoritária parte da ideia de que a gestão privada resolverá o problema da educação, já que servidores públicos são preguiçosos, desmotivados e não confiáveis. A lei americana cumpriu a função de abrir o setor educacional ao mercado de empresas educacionais, em especial o mercado da consultoria, da tutoria e da avaliação. Hoje este mercado nos Estados Unidos está estimado em 4 bilhões de dólares.
Esta foi a principal consequência da lei de responsabilidade educacional americana, já que do ponto de vista da melhoria da qualidade da educação americana não houve impacto. Antes da lei, os Estados Unidos estavam na média do PISA. Dez anos depois, o país continua na média do PISA. Nas avaliações internas do NAEP as alterações são para pior ou pífias, como ocorreu na última avaliação divulgada. Ou seja, se usarmos as próprias estatísticas de desempenho dos alunos americanos disponíveis, não há nada que justifique reproduzir está lógica no Brasil. Até porque, temos caminhado no PISA – como reconhece a própria OCDE.

Observatório – Existem outras formas de lidar com a responsabilidade da escola?

Luiz - Há outra forma de lidar com a escola que pode ser observada em países que recusam a estratégia americana. O caso da Finlândia é emblemático. Contrariamente à responsabilização autoritária baseada em leis e na “lógica dos negócios”, usa-se uma responsabilização baseada na confiança na escola e em seus profissionais. Regula-se o número de alunos máximo em sala de aula (24). Cuida-se da miséria infantil que é de 4% (nos Estados Unidos é 22% e crescendo). Os professores são respeitados e bem formados (5 anos de estudos universitários). Não são pagos com “bônus” e nem avaliados e pagos pelos resultados de testes de aprendizagem aplicados a seus alunos. Todos os que visitaram a Finlândia são unânimes em dizer que o que surpreende é o grau de confiança que o país tem em suas escolas e em seus profissionais. Não são execrados pela mídia e por engravatados que se dizem “especialistas em educação” sem terem nunca dado uma aula na vida em uma escola pública.
Não há testes de larga escala na educação básica a não ser no final do ensino médio para entrar na universidade. Uma responsabilização sem pressão. Qual o impacto disto na aprendizagem dos alunos, medido pelo mesmo PISA: a Finlândia é topo no PISA. Temos então, duas formas de responsabilização: a dos americanos, que não melhorou a sua educação, e que está introduzida no texto da deputada Raquel Teixeira em análise no Congresso. E a da Finlândia, topo do PISA.

Na dependência da escolha que o Brasil faça, se optarmos pela responsabilização americana, estaremos caminhando para mais uma década perdida em educação, com a consequente destruição do sistema público de educação brasileiro.

 

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