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Com incentivo de empresas, São Paulo terá mais 100 escolas “modelo” no ano que vem

Enviado por on 12 de abril de 2012 – 20:00nenhum comentário

Escolas de tempo integral, apenas com professores de dedicação exclusiva. Laboratórios, três refeições diárias, parceria com empresas. Com esse modelo, iniciado neste ano pelo programa “Educação Compromisso de São Paulo”, o governo paulista pretende posicionar seu sistema educacional entre os 25 melhores do mundo até 2030. Hoje, São Paulo fica atrás de unidades da federação como Distrito Federal, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná e Espírito Santo no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, 2009). O Brasil ocupa a 53ª posição desse ranking.

O Programa foi lançado em dezembro de 2011 por um decreto (nº 57.571/2011). Questionada pelo Observatório se o programa dialoga de alguma forma com o Plano Estadual de Educação (nunca divulgado, o texto está sob consulta no Conselho Estadual de Educação há dois anos), a Secretaria Estadual de Educação (SEE) informou que o decreto “segue os princípios norteadores do plano”. Não informou, no entanto, quais seriam esses princípios. São Paulo é um dos 16 estados brasileiros que ainda não possuem um plano estruturado com metas para a educação, de acordo com levantamento do Observatório.

O Compromisso São Paulo é uma política focalizada, ou seja, prioriza grupos, com projetos diferentes dependendo da situação da escola. Por exemplo, inclui um planejamento de investimentos para as escolas com as notas mais baixas do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). De acordo com nota da Secretaria publicada no ano passado, no primeiro semestre deste ano seriam investidos R$ 178 milhões em obras para reformas e melhorias em 400 das 1.206 unidades de ensino consideradas de maior vulnerabilidade, “escolas prioritárias”. O Observatório questionou a SEE sobre a execução desse investimento até agora, mas não obteve resposta.

Se o programa inclui política para as escolas mais vulneráveis, na outra ponta está um investimento diferenciado em, por ora, 16 escolas de ensino médio que devem ser transformadas em “modelos”. Em 2013, serão mais 100, e no ano seguinte, mais 184. São os chamados Cerem’s (Centro Estadual de Referência de Ensino Médio). E a partir do ano que vem, algumas escolas do ensino fundamental II testarão também o ensino integral (a SEE não divulgou quantas).

Essas escolas terão mais R$ 355 mil ao ano por unidade de ensino (para pagamento de gratificação de 50% sobre o salário-base dos professores), e só em recursos audiovisuais serão investidos R$ 299 mil por escola, em um total de R$ 3,18 milhões. Para as reformas e obras de adaptação foram destinados R$ 4,6 milhões. Um investimento, a princípio, de R$ 841.250 por escola. Esse valor pode dobrar o valor investido em uma escola por ano.

Não há planos para estender a política para toda a rede (cerca de 5.300 escolas de ensino fundamental e médio). O programa atingiria até 2014, portanto, menos de 15% do sistema.

As escolas de tempo integral nesses moldes são uma criação do Instituto de Co-responsabilidade pela Educação (ICE) – leia mais aqui. O seu presidente, Marcos Magalhães, conta que a iniciativa surgiu dos parceiros do ICE em São Paulo: o Instituto Natura e o grupo Parceiros da Educação. “Foram eles que nos procuraram, já conhecendo esse projeto em Pernambuco”. Os parceiros patrocinam financeiramente o trabalho do ICE, que faz a transferência das tecnologias de gestão e pedagogia, e “também são parceiros no sentido de acompanhar a implantação e dar o apoio político necessário”, explica. Magalhães foi convidado pela Secretaria para apresentar a experiência do ICE em evento na Escola Paulista de Magistratura, com a presença dos integrantes do Conselho Estadual.

Fundações e institutos empresariais

Em nota divulgada no dia do lançamento do Programa, a secretaria afirmou que a iniciativa teve apoio e envolvimento de diversas organizações e instituições, como Instituto Natura, Fundação Victor Civita, Fundação Lemann, Instituto Unibanco, Instituto Hedging-Griffo, Fundação Itaú Social, Tellus, Parceiros da Educação (grupo que promove e monitora parcerias entre empresas/empresários e escolas da rede pública), Fundação Educar DPaschoal, Fundação Bradesco, Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Instituto Península, Fundação Arymax e da consultoria internacional McKinsey & Company. Algumas dessas participam do programa pela Parceiros da Educação, caso do Península e Hedging-Griffo.

A empresa McKinsey & Company teria sido contratada para fazer um diagnóstico e desenvolver o plano para a educação paulista. A Secretaria não detalhou o tipo de envolvimento de cada uma nem o montante de recursos aportado. Limitou-se a dizer que a iniciativa teve apoio de “diversas instituições e representantes da Sociedade Civil no sentido de colaborar, em conjunto com os diversos profissionais da rede pública estadual, na elaboração do programa”. O Observatório pediu o detalhamento à assessoria de imprensa no dia 13 de março e, até o fechamento desta reportagem, não obteve resposta (leia mais sobre a participação das fundações).

O novo Programa do governo é uma Parceria Público Privada (PPP) – segundo Marcos Magalhães -, entre a secretaria e as empresas e fundações. “Esses parceiros compreendem ONGs e grupos empresariais locais. Os grupos aportam o recurso financeiro, e o ICE faz a consultoria”. O ICE mantém uma equipe em São Paulo, atuando junto com a Secretaria, e todo o custo da consultoria é pago pelas empresas parceiras, informou Marcos.

Apesar de não informar quanto custa a consultoria, o presidente Marcos se limitou a dizer que é um preço elevado. O Instituto Natura diz em seu site investir R$ 500 mil com o Programa do governo, e R$ 230.340 com o ICE.

A parceria da SEE com empresas em São Paulo não é característica apenas deste programa. Elas já atuam diretamente com as escolas. Os integrantes da Associação Parceiros da Educação, por exemplo, mantém relações com diversas unidades (veja a lista). Questionado, o grupo não respondeu a respeito das atividades que realiza nas escolas.

O padrão de gerenciamento das escolas criado pelo ICE se baseia na gestão empresarial. A pesquisadora Theresa Adrião, da Unicamp, critica essa lógica: “a escola não é uma empresa e não pode ser administrada como tal. A lógica de maximização dos investimentos e de diminuição de custos na escola apenas induz a mecanismos de exclusão e ao aumento da seletividade interna do sistema educacional”, argumenta.

Desigualdade entre escolas?

Uma das diferenças do novo modelo para as já existentes escolas de tempo integral está no novo regime de trabalho de seus professores, que prevê dedicação plena e exclusiva. Além disso, “a estrutura contará com salas temáticas de português, história, arte e geografia, salas de leitura e informática, e laboratórios de biologia, química, física e matemática”, informa nota da SEE.

Algumas medidas que aparecem nas escolas modelo deveriam ser aplicadas a toda a rede, acreditam especialistas. Para Theresa Adrião, “a diferenciação salarial [entre professores desse programa e os da rede como um todo] apenas consolida a percepção de que uma escola de qualidade precisa ter professor em condições de dedicar-se exclusivamente. Assim, as condições de jornada deveriam ser estendidas a todos os docentes da rede”. A política de “focalização”, diz, rompe com a lógica de rede e cria ou aprofunda desigualdades. Leia a entrevista completa com Adrião aqui.

Conselho consultivo

O decreto de criação do programa prevê, ainda, o estabelecimento de uma “Câmara de Acompanhamento” do Compromisso de São Paulo. De acordo com a Secretaria, esse conselho será liderado pelo Governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), e será composta por integrantes da SEE, de várias outras secretarias do Estado, além de membros da sociedade civil. A Secretaria não informou quando será constituído esse grupo, nem respondeu como serão escolhidos seus componentes.

 

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